29/12/2013
A Copa do Mundo em Natal sem o picolé de Caicó
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Do procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do RN e presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas, Luciano Ramos, em artigo publicado na Tribuna de hoje: * De Henri Ford ao picolé de Caicó Quando nascemos fomos programados/ A receber o que vocês/ Nos empurraram com os enlatados dos USA, de 9 às 6. Desde pequenos nós comemos lixo/ Comercial e industrial/ Mas agora chegou nossa vez... (Geração Coca-cola, Legião Urbana). * O início do século XX nos apresentou a linha de montagem de Henri Ford, e com ele os empresários perceberam o quanto é lucrativo reduzir as opções dos consumidores, ilustrado na célebre frase: “os clientes da Ford podem escolher qualquer cor de carro, desde que seja preta”. Daí em diante, os estratagemas para reduzir nossa liberdade de escolha tornaram-se cada vez mais sutis, a ponto de sequer percebermos como a oferta determina a nossa demanda, com estratégias ora mais ora menos ortodoxas. * Com este objetivo em mente, recentemente, as grandes empresas passaram a adquirir a potencial demanda na forma de patrocínio a eventos; onde garantem não apenas a exposição da marca, mas, sobretudo, a exclusividade na comercialização de produtos necessariamente adquiridos aos milhares por uma massa confinada por horas em um mesmo local. * Utilizando seu alcance global, a FIFA especializou-se neste método de monetizar exponencialmente as competições por ela organizadas, sempre deixando o terreno livre para torcedores consumirem o que quiserem, desde que sejam produzidos pelos patrocinadores oficiais da onipresente entidade futebolística; e novos mercados são abertos e consolidados enquanto vibramos pelos gols de nossos times e seleções. * E chegamos ao ano que antecede a Copa do Mundo no Brasil, trazendo consigo o padrão FIFA de fazer negócios, empurrado goela abaixo em dispositivos criadores de zonas exclusivas para determinados produtos, adredemente colocados com a devida antecedência na Lei Geral da Copa. * Nestas zonas exclusivas, não há espaço para produtos não monopolizados por grandes empresas, como água de coco – potencial concorrente de bebidas gaseificadas e água mineral – e acarajé – não por acaso apelidado de hambúrguer do baiano, tal qual vimos na Copa das Confederações e no sorteio final da Copa do Mundo 2014. * Assentada em terras tupiniquins, a fórmula agradou tanto aos empresários, que deverá ser levada para as ruas do carnaval de Salvador, imediatamente em 2014. Tudo caminhando para uma homogeinização de demanda, impeditiva de gostos diferentes e microdiversidade local. * Com estes ensaios, a máquina estará bem azeitada para a realização do grande evento, de modo a não permitir a intrusão de escolhas não autorizadas, sejam elas representativas ou não da cultura local. Entre as segregadas desta zona pasteurizada, que em Natal adentrará por diversas ruas no entorno da Arena das Dunas e do local em que serão realizadas as Fan Fests, certamente estarão a cachaça, o artesanato, as comidas típicas de São João e o picolé de Caicó, por não terem o visto necessário para entrar neste território estrangeiro dentro do Brasil. * A se concretizar este cenário, teremos de montar estratégias para americanos, italianos, japoneses e demais nacionalidades que jogarão em Natal efetivamente conhecerem nossa cultura, quem sabe alongando suas estadias para além dos jogos de cada uma das seleções, pois a vontade de retornar a um local brota no terreno das suas singularidades e não no oceano de lugares comuns encontráveis em todo globo. * Ou isto ou enfrentemos a toda poderosa FIFA, para obter dela “concessões” tal qual fizeram na Copa da Alemanha de 2006, onde os torcedores que visitaram a Bavária deliciaram-se com a tradicional cerveja da região, mesmo dentro do estádio, tal qual a cultura local, estimulados em cada gole a conhecer a Octoberfest que ocorreria dali a alguns meses. * Mesmo homogeneizados, ainda há escolhas e escolhas, sedes e sedes de Copa do Mundo, e o jogo que definirá os produtos a serem comercializados e seus locais durante o mundial ainda não foi completamente jogado, mas o apito final torna-se cada vez mais próximo com o réveillon de 2014. À cultura de nossa terra, um Feliz Ano Novo!