16/02/2014
Jornalista Emanuel Neri lança em Natal o livro 'Cabeças do Vento'
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Jornalista da Folha de São Paulo por muitos anos, o potiguar Emanuel Neri, que hoje vive em São Miguel do Gostoso, onde tem uma pousada que recebe, discretamente, 'chiques e famosos' de todo o Brasil, lança nesta segunda-feira, em Natal, o livro 'Cabeças do Vento'. O livro, uma espécie de crônica de costumes familiar, como ele mesmo diz, será lançado às 18 horas na livraria Saraiva, do Midway Mall. Na apresentação, eis o resumo do próprio Neri sobre a obra que já foi lançada em São Miguel do Gostoso. * Um entre os muitos desafios que minha mão resolveu enfrentar após a morte do meu pai, há oito anos, foi escrever um livro em que contasse, ao mesmo tempo, a história da família e de São Miguel do Gostoso. Pegou um caderno e foi escrevendo, à mão, suas memórias. A dolorosa perda do homem com quem viveu por 57 anos, a convivência com os 15 filhos, os momentos difíceis da família, os parentes, os amigos, e a grande virada que ela deu na vida após a morte do marido – tudo isso estava em suas anotações. Este livro é, portanto, muito mais uma obra da minha mãe do que minha. O que fiz foi organizar suas ideias e escrevê-las, arrumando-as numa sequência histórica para dar uma pegada mais literária no texto. Antes disso, sentei com ela várias horas, em mais de uma oportunidade, para entrevistá-la e esmiuçar ainda mais algumas histórias que estavam em seus rascunhos. Foi aí que pesou mais minha experiência como jornalista. Nas entrevistas com minha mãe, me senti mergulhando de cabeça na minha própria história, que é a história da minha família e da minha cidade, São Miguel do Gostoso. Mamãe tinha em suas mãos e em seu caderno – alguns textos cuidadosamente corrigidos, com datas e fatos incrivelmente precisos e corretos – uma bela história. É este o trabalho que convido você para, a exemplo do que eu fiz, também mergulhar nesta interessante história de pioneirismo de uma família cuja saga se confunde com o próprio desenvolvimento de São Miguel do Gostoso. Esta cidade surgiu contando histórias – e sempre histórias de muito bom humor. O nome São Miguel do Gostoso se deve a um legítimo cidadão local que, há mais de 100 anos, recebia os mascates, que passavam pela cidade vendendo mercadorias, contando histórias engraçadíssimas. Tanto contava como, no final de cada história, se derretia em prolongadas gargalhadas. Foi por isso que os mascates começaram a chama-lo de “Seu Gostoso”. A partir daí foi um pulo para que o adjetivo “Gostoso” batizasse a cidade. Depois, o padroeiro da cidade passou a ser São Miguel Arcanjo – e a cidade ficou conhecida como São Miguel do Gostoso. Pois papai e mamãe também são protagonistas de histórias engraçadíssimas, que enriquecem muito este livro. Papai, por exemplo, que abraçava mil e uma atividades - era “doutor”, comerciante, fazendeiro e político – também foi convidado pelo governo a desempenhar o papel de delegado da cidade. A primeira queixa recebida por ele foi de um senhor que dizia ter visto um determinando morador roubando cocos da fazenda, adivinhem de quem, do próprio delegado. Papai resolveu então intimar os dois para apurar o caso. Tentou começar por uma acareação entre eles. A acareação foi na nossa própria casa. No meio da conversa, os dois homens, extremamente fortes, se atracaram, rolaram pelo chão, e iam quebrando tudo o que estava no meio da casa. Primeiro foi uma jarra grande cheia de água, que se espatifou no chão, jogando água para todos os lados. Depois, foi uma cristaleira cheia de louças da mamãe que também foi pelos ares. Vasos e outros objetos também se estraçalharam. Só após muito apelo e gritaria de todos que estavam na casa, os dois homens se separaram. Foi a primeira e última vez que papai desempenhou o papel de delegado. Afastava de cara qualquer apelo para que continuasse no “cargo” de delegado. Mas ria muito ao relembrar este episódio. Mamãe também tem histórias incríveis. Numa das festas de São Miguel, ela se encarregou, como sempre, de ficar sentada em uma mesa, com uma bolsa, contabilizando e guardando com todo o cuidado o dinheiro da festa. Era dinheiro da venda de comidas e bebida, de leilões de animais, além de doações para o santo. No meio da festa, uma enorme briga se espalhou por todo o ambiente. Garrafas, cadeiras e mesas voavam de um lado para o outro. Todos corriam desesperados, para se proteger. Menos mamãe, que se curvou sobre a mesa e guardou, colada junto ao peito, a bolsa com o dinheiro da festa. As mãos foram mantidas para trás, protegendo a cabeça. Quando finalmente a briga acabou, todos achavam que mamãe estava ferida, sangrando, desmaiada sobre a mesa. Não estava. Na briga, muitas garrafas passaram voando perto da sua cabeça, mas ela conseguiu se livrar de todas. Foi a primeira a se levantar e erguer para o alto, sorrindo, seu troféu – a bolsa cheia com o dinheiro do santo. Parecia incrível, mas nada a tinha atingido. Muita gente jura até hoje que foi milagre de São Miguel. Foi aplaudida por todos que estavam na festa. São muitas destas histórias que você vai encontrar neste livro. E muito mais que isso. A história de superação da mamãe impressiona. Após a morte do papai, ela se transformou numa empreendedora de primeira. Dinamizou os negócios da família, construiu e reformou imóveis, trocou carros velhos por novos – fez tudo que não conseguia fazer quando papai era vivo. Muito vaidosa, ficou mais bonita e rejuvenescida, embora não goste quando se fala isso perto dela. Mas o fato é que esta extraordinária mulher mudou o rumo dela e da família a partir dos 76 anos de idade. Hoje está com 84 anos, ainda com um vigor físico que impressiona a todos que a conhecem. Este livro também conta boa parte da história de São Miguel do Gostoso. Suas diversas ondas de desenvolvimento – o turismo de lazer, que também teve o dedo pioneiro da família, a descoberta da cidade como um dos melhores pontos do mundo para a prática do kitsurfe e windsurfe e, finalmente, a chegada da energia eólica. O vento tem tudo a ver com o desenvolvimento de São Miguel do Gostoso, que está exatamente na curva do continente sul- americano, onde literalmente o vento faz a curva. Papai, alias, percebeu este potencial eólico há mais de 50 anos e foi inovador ao usar o vento como fonte energética. Cata-ventos colocados em plataformas ao lado da nossa casa abasteciam as baterias que faziam funcionar geladeiras e rádios e acendiam, à noite, as lâmpadas incandescentes. Pelo fato de São Miguel do Gostoso e própria história da família estar muito ligada ao vento, inspirou então o mote para a escolha do título deste livro: “Na Curva dos Ventos, Nas Ondas do Tempo”. Mas este trabalho que você vai ler também deve muito ao esforço da quase totalidade dos 15 irmãos que resolveram contar, no livro, suas memórias de infância e juventude. Tem histórias interessantíssimas, muitas delas carregadas de extraordinário humor e fortíssimas emoções. O resultado final dessas memórias foi coordenado por Nara Neri, uma sobrinha que também resolveu seguir o jornalismo. Outro papel importante foi cumprido pela amiga e jornalista Cristina Ramalho, que foi uma das primeiras a fazer uma leitura com visão criteriosa do conteúdo deste livro. Finalmente, agradeço ao grande amigo e jornalista Xico Sá, que faz o prefácio deste livro. Escritor e dono de uma formidável habilidade para escrever, falar e contar histórias – graças a este enorme talento reúne admiradores por todo o Brasil -, Xico Sá, nordestino como eu, soube captar com facilidade muitas das emoções que estão neste livro. Também quero agradecer ao brilhante trabalho do jornalista e escritor Paulo Araújo, talentosíssimo potiguar, que edita este livro. Boa leitura. Emanuel Neri São Miguel do Gostoso, outubro de 2013