28/03/2015
A homenagem de Ricardo Motta a Almino Affonso
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Foi do deputado Ricardo Motta (PROS) a proposição da sessão solene pelos 113 anos do Instituto Histórico e Geográfico e entrega da Medalha do Mérito Legislativo ao ministro do Trabalho do Governo João Goulart, Almino Affonso.
Amigo e deputado federal pelo PTB com Clóvis Motta, pai de Ricardo.
Eis o discurso de Ricardo:
O poeta Fernando Pessoa, redundância de genialidade, precisou de apenas oito palavras para dimensionar a importância da memória na vida de cada um de nós.
Sua frase é atual sejam atravessados séculos e milênios. Disse Fernando Pessoa: “ A memória é a consciência inserida no tempo.”
Nesta manhã de sexta-feira, 27 de março de 2015, tenho a honra e a graça de Deus em compartilhar com o povo do meu Estado um momento magnífico de resgate , com a homenagem aos 113 anos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Uma celebração justa que marca a presença, entre nós, de um grande brasileiro, de um valoroso defensor das liberdades democráticas, dos direitos sociais, partícipe intransigente das causas nacionalistas e populares: O ex-ministro do Trabalho do Governo João Goulart, Almino Affonso.
Sua presença em nosso plenário me é duplamente simbólica. Pela biografia impecável e pela amizade com meu pai, o saudoso e inesquecível Clóvis Coutinho da Motta, seu companheiro e colega deputado federal pelo PTB nos duros tempos de tensão até o Golpe de Estado de 1964.
Sobre essa convivência em período crucial da vida do país, falarei mais adiante, com maior profundidade.
Senhoras deputadas,
Senhores deputados:
A memória é tesouro inviolável e incalculável a ser preservado para as futuras gerações. Sem ela, os mais novos não saberão do passado nem irão elaborar seu ponto de vista sobre as raízes humanas, políticas, religiosas e culturais de sua terra e dos seus ancestrais.
O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte é um fortim de resistência nessa missão árdua e desigual. Faço questão de abraçar, com entusiasmo, o seu presidente, meu dileto amigo, ex-deputado estadual, intelecutal brilhante, escritor e esgrimista de palavras, Valério Mesquita.
A ele e a toda a sua diretoria, meu respeito e meu reconhecimento pelo trabalho de revitalização do Instituto, que hoje apresenta uma realidade melhor, resultado da persistência e da busca por apoio dos poderes públicos e da sociedade organizada.
Com cerca de 300 associados, o Instituto Histórico e Geográfico, localizado bem perto da Casa do Povo, no sítio histórico do centro de Natal, próximo ao Museu Café Filho, à antiga Catedral, ao Palácio Potengi, à Praça André de Albuquerque, guarda precioso patrimônio.
São mais de 50 mil títulos lançados ao longo de dois séculos e meio de história, disponíveis para consulta no belo casarão de estilo neoclássico.
Livros, coleções, monumentos, peças de inestimável valor, como posso citar agora, as vestes do Padre João Maria, fazem parte do acervo tão bem cuidado pelos que compõem o Instituto.
Quando tivemos a honra de presidir esta Casa, encaminhamos uma emenda parlamentar que permitiu a restauração do Instituto Histórico, que estava em condições inadequadas de funcionamento e conservação.
Hoje, pode receber seus visitantes e pesquisadores com dignidade e conservando a imponência de um prédio que testemunha em silêncio as mutações temporais da cidade.
Prenuncia-se uma nova luta, anunciada por Valério e por seus pares, os quais cito em reconhecimento: Ormuz Barbalho Simonetti, Carlos Roberto de Miranda Gomes, Odúlio Botelho de Medeiros, George Veras, Eduardo Gosson, Adalberto Targino e Edgar Ramalho Dantas, atuais components da diretoria.
Em nome deles, saúdo cada conselheiro e associado.
É preciso agora desenvolver esforços para que o notável volume memorial do Instituto Histórico possa passar por um processo de digitalização, que o tornará seguro e dotado de moderna técnica de preservação. É tarefa de todos os que têm responsabilidade com o futuro. Contem comigo. Como sempre contaram.
O Instituto Histórico e Geográfico é patrimônio da cultura, é reunião de inteligências e de corações unidos pela valorização perene de nossa história em todos os seus momentos.
Senhoras deputadas,
Senhores deputados,
Minhas senhoras,
Meus senhores:
Ao ocupar a tribuna da Casa do Povo nesta sexta-feira literalmente histórica , trago sobre os ombros e dentro do peito uma imensidão de emoções.
O sentimento é a dimensão do homem. O sentimento é alegria, é dor, é calor humano, é autenticidade, é companheirismo é palavra dada, é palavra cumprida. É firmeza, é convicção, é braço dado, é mão na mão.
O sentimento que me move por natureza e herança, ensinamento, honra e conduta moral é o da compreensão, da conciliação respeitosa, do reconhecimento e da crença na honra e na tverdade como guia e luz dos meus dias e de minhas atitudes.
Em síntese, a gratidão definidora dos meus passos e minha ação pautada nos ensinamentos do meu pai, Clóvis Coutinho da Motta, inspiração e amparo, orgulho e segurança a cada instante de mnha trajetória nessa dimensão.
É duplicada minha responsabilidade esta manhã, ao receber, como porta-voz de Clóvis Motta e admirador convicto, um dos mais nobres e combativos brasileiros da história republicana, resistência sanguínea e indígena das liberdades democráticas nacionais.
O ministro do Trabalho Almino Affonso, valente sangue amazonense de Humaitá e raízes potiguares. É neto do potiguar e senador Almino Affonso, incansável abolicionista.
Nosso homenageado de hoje foi protagonista sem vacilações da defesa da legalidade em tempos de tirania, eloquência dos tribunos inflamados de argumento e indignação, de idealismo e de intransigência pela soberania nacional.
Olho para o senhor ministro, e vejo o meu pai. Vejo o seu amigo Clóvis Motta, seu colega de bancada defensora de Jango, o ex-presidente e amigo a quem meu pai não faltou, nas agonias do seu mandato nem no seu exílio, quando se encontraram, emocionados, a lembrar da luta perdida para evitar um banho de sangue pátrio.
Ministro, saudade e orgulho se misturam quando a lembrança de Clóvis Motta se confunde com sua intensa biografia. Clóvis Motta, o vice-governador eleito pelo voto popular.
Clóvis Motta, o deputado estadual e presidente desta Assembleia, que o eterniza dando o seu nome ao plenario desta Casa onde nos encontramos neste momento significativo. É o exemplo de uma caminhada digna e exemplar.
Clóvis Motta, conforme o senhor próprio relata, no exercício da Presidência da Câmara dos Deputados, foi preso num motim golpista em 1963 debelado por forças leais ao Governo Jango. Salvo por corajosos militares que arriscaram a vida – o meu pai também arriscou a dele -, e o retiraram do cativeiro.
Ministro Almino Affonso, me permita a emoção legítima, de poder saudá-lo, num instante em que o país tanto clama por homens de estatura moral verdadeira, homens para quem o compromisso, quando assumido, é pacto indestrutível de fé e confiança.
Como fazem falta, ministro, os homens de genuína posição política , de fibra e plena convicção em seus ideais.
Como bem diz em seu livro “1964, Na Visão do Ministro do Trabalho de João Goulart, Almino Affonso”, não lhe cobrem neutralidade. A neutralidade é cômoda, a coragem custa caro sob o ponto de vista político e pessoal.
No Brasil instável de agora, de insultos atropelando argumentos, conjuntura em que impera o claro temor institucional, falta a figura sensata, firme e altiva de um Almino Affonso.
Almino Affonso, ao contrario de adesistas e traidores, não abandonou o presidente Jango em 1964, sem que por isso deixasse de discordar do líder, apontando-lhe caminhos lúcidos sem o menor resquício de afronta aos seus princípios.
Seu espírito guerreiro não resvalou na inconsequência das vivandeiras. Conciliava e saiu do ministério quando interesses radicais passaram a influenciar o presidente e a contribuir para o desfecho infeliz que levou o Brasil a 21 anos de trevas, censuras, torturas e mortes.
Almino Affonso foi cassado, perdeu seus direitos politicos, partiu para o Chile, refúgio de vários brasileiros perseguidos até a derrubada e morte do presidente Salvador Allende pela Ditadura Pinochet.
Depois de 10 anos fora do Brasil, retornou ainda no período repressivo para integrar a oposição. Com a redemocratização, elegeu-se vice-governador de São Paulo em 1990(mais um traço em comum com Clóvis Motta).
Foi eleito deputado federal em 1994, atuante e questionador, orador brilhante e diferenciado pelo conteúdo em qualquer discussão, fosse ela econômica, social ou política.
Ministro Almino Affonso, receba a Medalha do Mérito Legislativo, nossa mais importante e honrosa distinção. Na certeza de que a entregamos a um dos cidadãos responsáveis por estarmos aqui, agora, exercendo democracia pura, sem ódios ou temores.
O senhor é um sobrevivente. É uma reserva moral, política e militante da liberdade.
Sua missão ainda é árdua.
É contar aos jovens de hoje, aos sectários em especial, o quanto é penosa a travessia da longa noite de uma ditadura até o amanhecer limpo e florido do regime democrático.
“A sociedade pode conviver com suas controvérsias”, é muito mais que uma frase, mas uma aula de tolerância e convivência civilizada. A frase é sua, ministro, durante sabatina no Programa Roda-Viva, da TVE.
É verdade. O contraditório é a compreensão entre os opostos. No parlamento, casa que foi sua casa, é essência.
Sua presença, a mim, em especial, é o reencontro, imaginário porque sonhar é tão preciso quanto viver, de dois homens de bem, reunidos em planos tão distantes, pela opção do ser humano em primeiro lugar.
Saiba que, onde estiver, Clóvis Motta está aqui, sorrindo e emocionado, ministro Almino Affonso.
Meu abraço fraterno.
Muito obrigado!