29/07/2015
TCU: Relator das contas do governo alertou à própria Dilma que 2,3 trilhões não foram contabilizados da previdência autuarial
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Augusto Nardes: “O Tribunal já havia alertado para as pedaladas”
O relator no julgamento das contas do governo diz que as irregularidades são graves. Uma reprovação do Tribunal pode dar munição aos que querem o impeachment de Dilma Rousseff
LEANDRO LOYOLA E MURILO RAMOS
O ministro Augusto Nardes voltou ao Tribunal de Contas da União (TCU) há duas semanas, após sete dias de afastamento. “Saí um pouco para evitar a pressão”, afirma. As circunstâncias transformam Nardes em um dos personagens mais visados hoje por governo e oposição. Ele é o relator das contas do governo da presidente Dilma Rousseff em 2014. São significativas as chances de, no julgamento em agosto, ele e os colegas reprovarem as contas devido às alquimias da contabilidade criativa da equipe do então ministro Guido Mantega. Na pior delas, por falta de dinheiro do governo, bancos oficiais pagaram benefícios sociais para receber depois, uma inversão de papéis proibida e que ficou conhecida como “pedalada”. Caso isso aconteça, o Congresso pode rejeitar as contas de Dilma – e fornecer um argumento concreto para os que querem o impeachment da presidente. “O Tribunal já vinha alertando o governo para a questão das pedaladas”, afirma Nardes nesta entrevista a ÉPOCA. Até o julgamento, Nardes andará acompanhado por seguranças.
ÉPOCA – Como está a pressão sobre o senhor e o Tribunal por causa das pedaladas?
Augusto Nardes – Faz parte do jogo. Recebi quatro ministros do governo. O mais importante foi o (ministro da Fazenda) Joaquim Levy. O (advogado-geral da União, Luís Inácio) Adams veio várias vezes.
ÉPOCA – O que eles disseram ao senhor?
Nardes – O (ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio) Mercadante disse que as pedaladas já tinham acontecido em outros anos, o Adams também falou. Mas nós já estamos alertando o governo sobre as pedaladas há algum tempo.
ÉPOCA – O que disse o ministro da Fazenda, Joaquim Levy?
Nardes – Ele tentou ponderar esses aspectos, mas não entrou muito nos detalhes da situação anterior, que era do ministro Guido Mantega. O Levy está fazendo um trabalho muito importante para o país, de tentar acertar uma situação pela qual ele não é responsável. Eu o achei muito equilibrado.
ÉPOCA – Ele se comprometeu em acabar com as pedaladas?
Nardes – Ele colocou isso, mas não com uma ênfase maior. Contou o que estava fazendo para tentar buscar o equilíbrio do país, todo o esforço que estava fazendo.
ÉPOCA – O que os ministros querem?
Nardes – Eles defendem as posições do governo que estão aí em público. Faz parte. Eu recebi também pessoas da oposição, senadores, o Aécio Neves, o Aloysio Nunes, o Ronaldo Caiado, deputados. Acho que faz parte do jogo democrático. O TCU é um dos guardiões da Lei de Responsabilidade Fiscal e tem de ficar atento ao que está acontecendo. Nossa decisão não foi inventada por mim: foi feito um trabalho técnico, pelos auditores, e o ministro José Múcio relatou. Há dois pontos que considero mais importantes: as pedaladas e o contingenciamento. Sobre as pedaladas, já foi tomada uma decisão, há um acórdão. O ministro José Múcio disse: o caso das pedaladas é como se fosse um cheque especial. Sem autorização do Congresso, o governo gastou próximo de R$ 40 bilhões. E tem o contingenciamento, outro aspecto importante. Eu mostro o que aconteceu em 2011, 2012 e 2013. No caso de 2014, período de eleição, não foi feito contingenciamento de R$ 28,5 bilhões – e, além de não fazer, foram autorizados (gastos) de R$ 10 bilhões a mais. As contas não fecharam de forma positiva, tivemos um deficit de R$ 22,5 bilhões. São dois fatos importantes. Há também a questão do FGTS: foram usados R$ 6,5 bilhões do trabalhador, sem data de retorno.
ÉPOCA – O governo trata as pedaladas como uma operação rotineira, um ajuste de cálculos. O que o senhor acha desse argumento?
Nardes – O Tribunal já vinha alertando o governo para essa questão, como também para a contabilidade criativa. Já vínhamos alertando de que excessos vinham sendo cometidos. No ano passado, conversei longamente com a presidente Dilma, tentando auxiliar o governo. Disse a ela que R$ 2,3 trilhões – não estou falando de bilhões, estou falando de trilhões – não foram contabilizados da previdência autuarial, que é a projeção da aposentadoria de todos os brasileiros. Por que isso é importante? Porque, se não tomarmos medidas preventivas, iremos pelo mesmo caminho de países como Espanha, Portugal e Grécia – e, em curtíssimo espaço de tempo, não poderemos pagar os aposentados. Eu alertei a presidente Dilma. Eles contabilizaram uma parte neste ano, não tudo. Mas, mesmo com a contabilidade, não dá para fazer uma avaliação se o patrimônio do país é positivo ou negativo.
Eu alertei a presidente Dilma no ano passado, durante o período da Copa
ÉPOCA – Quando foi isso?
Nardes – Eu alertei a presidente no ano passado, durante o período da Copa. Ela chamou o Mantega, e ele tomou algumas providências. A proposta no ano passado já era pela rejeição das contas (do governo). Eu disse no meu voto que as contas “não estão em condições de ser aprovadas”. O ministro Raimundo Carreiro falou comigo, eu estava na presidência, eu falei com o governo e chamamos o Mantega aqui.
ÉPOCA – O que o ministro Guido Mantega disse?
Nardes – Ele foi chamado, veio aqui. O Mantega conversou com o ministro Raimundo Carreiro e tomou algumas providências. No ano passado, o Tribunal propôs aprovar com ressalvas as contas do governo. Mas aí nós fomos ver, as pedaladas eram graves. O fato de eu propor 30 dias para o governo se defender é para estabelecer o contraditório. Estou esperando que o governo consiga trazer uma explicação plausível.
ÉPOCA – Assusta o senhor a reação do governo diante da postura do TCU?
Nardes – A reação é natural, porque qualquer governo quer que tudo corra bem. O voto foi basicamente técnico e baseado em uma decisão já tomada pelo Tribunal. O fato de termos alertado e não termos sido ouvidos leva a uma situação dessas, em que pela primeira vez se propõe um contraditório para tomar uma decisão sobre um tema que há muitos anos o Congresso não examina (desde 1992 o Congresso não vota os relatórios do TCU sobre contas dos governos). As instituições têm de ser fortes, cada uma tem de cumprir com seu papel. Nós cumprimos nosso papel técnico. Isso foi elaborado por uma equipe de mais de 30 auditores que encontraram esses números. Eu sou o porta-voz desse trabalho do Tribunal de Contas da União. O governo tem de responder a isso, porque a sociedade quer transparência em relação aos recursos pagos pelos impostos.
ÉPOCA – O governo argumenta que as pedaladas existiram nas gestões anteriores e que o TCU nunca ligou.
Nardes – O Tribunal alertou o governo várias vezes.
ÉPOCA – O julgamento no TCU poderá levar o Congresso a rejeitar as contas do governo Dilma e abrir caminho para o impeachment. O senhor pensa nisso?
Nardes – Nosso juízo é técnico. Estamos fundamentados em números, feitos por uma equipe de excelência.
ÉPOCA – A AGU estuda, se perder, contestar o julgamento no Supremo Tribunal Federal. Vai dizer que o senhor não poderia se manifestar antes do voto.
Nardes – Eu não me manifestei antes. Estou falando em cima do relatório que foi feito pelo ministro José Múcio. Eu não me manifestei em relação ao meu voto futuro.
ÉPOCA – O advogado Thiago Cedraz, filho do presidente do Tribunal, Aroldo Cedraz, é acusado na Operação Lava Jato de fazer tráfico de influência aqui no Tribunal. Como fica a imagem da instituição?
Nardes – Eu não conheço bem a situação, então não posso me manifestar.
ÉPOCA – O senhor passou a andar com seguranças por causa do caso das pedaladas ou é usual?
Nardes – Eu tenho família, não é? Então, tenho de proteger a família. Eu andei mais com segurança nos dias dos votos. Agora, estou mais tranquilo.
ÉPOCA – Houve ameaças por causa desse caso?
Nardes – Por enquanto, só por mensagens. O que está acontecendo é uma guerra de informações.