12/09/2015
Para Delfim Netto, ex-conselheiro de Dilma, presidente meteu os pés pelas mãos para se reeleger e o Brasil afundou
[0] Comentários | Deixe seu comentário.Da revista Época, a entrevista com o ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto:
Antonio Delfim Netto: “A Dilma tem de montar seu governo de novo”
O ex-ministro da Fazenda diz que o rebaixamento da nota do Brasil mostra que o ministro Joaquim Levy estava certo – e que a presidente tem de deixá-lo trabalhar
VINICIUS GORCZESKI E GUILHERME EVELIN
Aos 87 anos, o ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto continua com o raciocínio rápido, a língua afiada – e articuladíssimo. O vice-presidente Michel Temer, seu interlocutor frequente, teve a ideia de propor o aumento da Cide, contribuição cobrada na comercialização da gasolina, depois de ler um artigo de Delfim no jornal Valor Econômico, um dos dois com os quais mantém colaboração semanal. “O Michel leu meu artigo durante um voo e me ligou perguntando se aquilo era sério”, diz o ex-ministro. “Respondi que era. Nenhum aumento de imposto é bom. Mas este é propositivo. Cria emprego e investimento.” Ele recebeu ÉPOCA na última quarta-feira em seu escritório, instalado num casarão no bairro de Higienópolis, em São Paulo, horas antes de a Standard & Poor’s rebaixar a nota de crédito do Brasil. No dia seguinte, Delfim comentou a notícia, ruim para o país “em todos os aspectos imagináveis”.
ÉPOCA – Como a perda do selo de bom pagador pode acentuar a crise brasileira?
Delfim Netto – Essa decisão já era bola cantada, mas ela é muito ruim para o Brasil. Ela generaliza no mundo a ideia de que o país é muito mal administrado. Tem outro problema. O rebaixamento não será corrigido no curto prazo. Quando um país é rebaixado, demora-se anos para que ele recupere de volta o selo de bom pagador, o que só ocorre quando ele prova realmente que mudou sua política econômica. No fundo, isso tem de ser interpretado como uma verdadeira lição. O Brasil foi reprovado. Fomos mandados de volta a uma segunda época. E ela é muito mais complicada. Será preciso provar que somos muito mais brilhantes como país do que éramos.
ÉPOCA – Como fica a situação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, após o rebaixamento da nota de crédito?
Delfim – O que aconteceu é um sinal claro: quem tinha a razão era o Levy. Ele trabalhou muito na direção de evitar o rebaixamento. O grande drama dessa história toda foi a remessa do Orçamento de 2016 com o deficit de R$ 30 bilhões. Foi uma demonstração de que o Brasil não quer e não está disposto a cortar despesa nenhuma, mesmo, e ponto final. Isso foi de uma miopia política trágica. O recado foi: “Joguei a toalha. Vocês me salvam, façam o que quiserem”. O governo teve de recuar ao ver as consequências.
ÉPOCA – Por que o plano de ajuste de Levy não deu certo?
Delfim – Até agora, as despesas do governo não diminuíram – e o Levy está brigando por isso. A ideia de que tem de continuar gastando terminou por causa do avanço da relação da dívida sobre o PIB. Não adianta brincar com uma dívida pública que veio de 53% do PIB para 70% do PIB. Não podemos deixar que ela atinja os 80%. Porque não vai ter mais para quem vender os papéis. Isso é uma cobra que começou a morder o rabo. O sujeito que pensa o mínimo, e não importa se você é de direita ou de esquerda, vai concordar que há um problema de aritmética insolúvel. Tudo isso é de uma irresponsabilidade mortal e é produto de o Poder Executivo ter perdido sua liderança e seu protagonismo. Ele deveria estar enchendo o Congresso com bons projetos e boas propostas de mudanças, porque, se você não restabelecer o mínimo de confiança de que começaremos a crescer, nenhum ajuste fiscal dará certo.
ÉPOCA – O senhor crê que a presidente Dilma Rousseff pode ainda recuperar esse protagonismo?
Delfim – É difícil dizer. Ela tenta fazer alguns movimentos. Visivelmente, ela não tem um plano estratégico apoiado por medidas táticas. Assisti a uma coisa espantosa. O governo está esperando sugestões de fora para dentro, porque se apresentar sugestões de dentro para fora nada acontecerá. Recuperar a credibilidade necessária para o país sair da crise está nas mãos dela. A Dilma tem de montar seu governo de novo e enfrentar o panelaço. Ela merece uns panelaços, mas ela tem de ir à TV dizer: “Faça o panelaço que eu vou salvar o teu filho”.
ÉPOCA – Em sua opinião, por que a presidente tem dificuldades de fazer um mea-culpa?
Delfim – A Dilma tem uma personalidade muito forte. A história da Dilma não é a história da Barbie. Ela nunca se convenceu de que estava errada. O Levy não está dando certo porque ele é um ministro sombra. A ministra é ela. O que o Levy faz, ele tem objeção dentro do governo mesmo. Porque não há convicção no governo de que aquela é a solução.
ÉPOCA – Isso não se deve também à oposição feita a Levy pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa?
Delfim – O Nelson é um bom profissional. Na minha opinião, é falsa essa ideia de que ele está propondo gastos à vontade. O ministro do Planejamento também tem direito a opiniões e a presidente pode arbitrar. É para isso que ela existe. Nem acredito que haja um problema entre o Levy e o Nelson. São as entourages dos dois. O Palácio é um serpentário. Lá, tem cascavel, jararaca e muçurana, que é cobra que come outra cobra, venenosa.
ÉPOCA – Ao enviar a proposta de Orçamento com deficit, o governo alegou que já havia cortado o que podia. O que há de verdade nisso?
Delfim – É verdade que o Brasil está no piloto automático rumo ao precipício. Mesmo que o Executivo fosse virtuosíssimo, ele tem controle apenas sobre 8% do dispêndio. A coisa mais grave da Constituição são as vinculações. Por que todo sujeito com poder quer vincular o gasto? Porque não acredita na democracia. A vinculação significa que não importa quem seja o sujeito escolhido para governar o país, ele sempre será um imbecil. Aí, eu digo a ele o que tem de fazer para a eternidade. Vincular gastos de educação e de saúde na Constituição significa que as prioridades nunca mudarão. O Congresso nunca entendeu que a vinculação é a destruição do próprio Congresso. Significa colocar o país em piloto automático. O piloto que foi posto para fora é o Congresso.
ÉPOCA – Por que aumentar a Cide é uma boa medida?
Delfim – Aumentar a Cide é uma medida esperta porque basta um decreto. Na arrecadação, isso dará um impacto de R$ 15 bilhões, metade do atual buraco. E nos Estados a arrecadação é da ordem de R$ 5 bilhões. É um imposto na direção certa porque produz emprego, aumenta os investimentos, diminui a emissão de poluentes no planeta. Qual a objeção? Terá inflação, mas não passa de 0,8% ou 0,9%.
ÉPOCA – E o aumento do Imposto de Renda para os rendimentos mais altos, como sugeriu o ministro Levy?
Delfim – O Levy está dizendo – com uma certa elegância – que você terá de fazer um Imposto de Renda sobre os dividendos. Mas não vamos ter ilusão sobre os mecanismos eleitorais e os interesses que dominam o Congresso. É claro que isso não passa lá.
ÉPOCA – O senhor era visto como um conselheiro informal do governo Dilma. Por que passou a ser crítico?
Delfim – Isso é história. De vez em quando ela me honrava com um convite e íamos bater um papinho. Tenho respeito pelas qualidades dela. Mas critico onde acho que ela perdeu o bom- senso administrativo. Ela se assustou quando percebeu que havia, no fim de 2011, sinais claros de que o crescimento estava afundando. Aí, pôs os pés pelas mãos. Fez um intervencionismo exagerado, uma prepotência terrível, mexeu em tudo quanto é coisa. Fiquei muito decepcionado quando vi aquela operação de alquimia. O governo fez deficit público, depositou os recursos públicos no BNDES, e o banco pagava dividendos para o Tesouro. Transformou a dívida pública em superavit primário. Pensei que não havia mais nada a fazer. Era irremediável. Você não pode violar as regras da contabilidade nacional. Cada vez que tenta fazer isso, dá com os burros na água. E, em 2014, a economia afundou. Em um ano, o deficit nominal passou de 3% para 6% do PIB, o superavit primário de 1,8% do PIB virou um deficit primário de 0,6%, e a dívida pública subiu 6 pontos. Foi um desastre.
ÉPOCA – Foi por causa da reeleição, não é?
Delfim – Não tenha a menor dúvida. Se alguém pensa que foi por ingenuidade, que eles não sabiam o que estavam fazendo... Sabiam, sim.
ÉPOCA – Se estamos no piloto automático rumo ao precipício, como vamos chegar às eleições de 2018?
Delfim – Talvez o Brasil não caiba no precipício.
ÉPOCA – Esse é o cenário mais otimista?
Delfim – É o cenário mais civilizado. A presidente tem dificuldades para decidir, mas é uma pessoa com absoluta honestidade de propósitos. O impeachment não pode ser uma desculpa. É uma questão objetiva, e não de opinião. Se houver razão objetiva, a civilidade manda que se execute a lei. Se não houver, será um desrespeito à lei. O Brasil talvez seja o único país emergente que tem um Supremo Tribunal Federal realmente independente. Não vamos macular isso, porque isso reduzirá para o resto da vida a nossa perspectiva. O Brasil será um país menor se violar essas regras.