24/11/2021
Anões são atrações?
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Do jornalista Octavio Santiago, que passa temporada em Portugal fazendo Doutorado, sobre um ‘encaminhado com frequência’ que lhe tirou o sono:
Somos todos bobos da corte
Encaminhado com frequência. Diz o WhatsApp sobre a cena. Cena de um casório que se passou na cidade que habito. Sobre o palco, vê-se os noivos. Mas não somente. Dois anões dividem com eles a conquista da felicidade… a dois. Estão com os mesmos trajes. Elas de vestido branco, eles de terno azul. Os anões usam máscaras. São os rostos dos noivos sobre os seus. Ouve-se Harry Styles. Likes. Gelo seco. Likes. Todos dançam. Para a posteridade.
Mas é praxe em ocasiões de contentamento. Chama-se parentes ao palco. Ou amigos. E então tratam de brindar as delícias da vida. Não se vê com a mesma frequência do encaminhamento da cena, porém, a escala apenas dos mais chegados com deficiência para o momento. Eis aí uma novidade em uniões matrimoniais! Com a celebração também de histórias, de lutas. Tudo junto. Contrariando hábitos reprováveis. Como o de ocultar quem possui certas condições. Só fica a dúvida pelo uso da máscara.
Há outra versão possível. É que a indústria dos casamentos pode ser muito exigente. Impõe-se certas necessidades. Algumas delas resistem, como a de pelo menos um bem-casado por convidado, o que é justificável. Outras mudam ao dispor do interesse. Sandálias, óculos e pulseiras de neon, cabine fotográfica, babá de noivos e – por que não? – anões. Novidades são importantes nesse meio. Em especial numa cidade onde se busca de modo incansável a superação.
Como não estava na festa, sinto-me na obrigação de mudar de assunto. Falarei, porém, de um tema que não é novo, que insiste entre nós, desde o Egito Antigo: a associação do nanismo ao humor. Dito por quem tem a condição. Pois não apenas provoca dor, como também atrapalha no reconhecimento de direitos. Colabora para que não enxerguem o anão com o olhar que felizmente já se tem sobre o cadeirante ou a pessoa com Down. A presença deles num palco, portanto, estaria condicionada apenas ao próprio protagonismo.
Posso ouvir as pessoas de bem reagindo ao parágrafo anterior. Declarações sobre quanto o mundo ficou chato desde a Idade Média, quando anões eram feitos de bobo da corte. É muito blábláblá e mimimi. Afinal, não se pode mais chamar alguém de “negão” ou de “viado”. Não se pode nem zombar de gordo, veja você! Ainda bem que ainda não existe um discurso potente das minorias em defesa dos anões. Entendeu a piada?
E aí vai aparecer aqueles que dizem que “é o trabalho deles”. E talvez tragam à luz declarações dos mascarados sobre ganha-pão. A visão “social” sobre o fato é, sim, capaz de comover. Mas ela, no fundo, mais envergonha do que convence. Pelo menos é como incide em mim. Até porque quem pensa sob a ótica “social” já considerou empregá-los em seus consultórios e escritórios. Ah, sim! Com toda a certeza.
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No Brasil, a condição de nanismo é reconhecida como deficiência física desde 2004. Segundo o art. 4º do Decreto 3.298/1999, é considerada pessoa com deficiência todas as que se enquadram nas categorias de deficiência física, mental, visual, auditiva e deficiências múltiplas, ou seja, aquelas com associação de duas ou mais deficiências.